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Published: 2009-09-18 20:29:23 +0000 UTC; Views: 345; Favourites: 0; Downloads: 3
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Description
Avançaram para a relva.Uma rapariga jovem, não com mais de catorze anos, com cabelo pintado de verde e laranja e rosa, olhava para eles enquanto passavam. Estava sentada ao lado de um cão, um rafeiro, com um pouco de cordel a servir de coleira e trela. A rapariga parecia mais esfomeada do que o cão. O cão ladrou-lhes, e abanou a cauda.
Shadow deu uma nota de uma nota de um dólar à rapariga. Ela olhou para a nota como se não tivesse a certeza do que era.
- Compra comida de cão com isto – sugeriu Shadow. Ela assentiu com a cabeça, e sorriu.
- Deixa-me explicar de forma mais simples – disse Wednesday – Deves ser muito cuidadoso na companhia da senhora que vamos visitar. Ela pode ficar a gostar de ti, e isso seria mau.
- É a sua namorada, ou assim?
- Nem por todos os pequenos brinquedos de plástico na China – disse Wednesday, com concordância. A sua fúria parecia ter-se dissipado, ou talvez tenha sido investida para o futuro. Shadow suspeitou que a fúria era o engenho que fazia Wednesday trabalhar.
Estava uma mulher sentada na relva, debaixo de uma árvore, com uma toalha de mesa estendida à sua frente e uma variedade de tupperwares sobre o pano.
Ela era – não gorda, não, estava longe de ser gorda: o que ela era, uma palavra que Shadow nunca teve razão para usar até então, era curvilínea. O seu cabelo era tão claro que era branco, tranças do tipo de louro platinado que poderia ter pertencido a uma estrela de cinema falecida há muito, os seus lábios pintados de carmim, ela parecia estar entre os vinte e cinco e os cinquenta anos de idade.
Quando a alcançaram ela estava a escolher um ovo cozido de um prato cheio deles. Ela olhou para cima quando Wednesday se aproximou dela, e pôs de lado o ovo que tinha escolhido, limpando a mão.
- Olá, seu velho aldrabão – disse ela, mas sorriu ao dizê-lo, e Wednesday fez uma grande vénia, pegou-lhe na mão e levou-a aos seus lábios.
- Estás divinal – disse ele.
- Como raio é que haveria de estar? – perguntou ela, docemente. – De qualquer maneira, és um mentiroso. Nova Orleães foi um grande erro – ganhei, o quê, doze quilos lá? Eu juro. Eu soube que tinha de me vir embora quando comecei a bambolear. A parte de cima das minhas coxas esfregam-se uma na outra quando ando, consegues acreditar? – esta última foi dirigida a Shadow. Ele não fazia ideia do que responde, e sentiu uma onda de calor inundar-lhe a cara. A mulher riu-se alegremente. – Ele está a corar! Wednesday, meu querido, trouxeste-me um corador. Que fantástico da tua parte. Como se chama?
- Este é o Shadow – disse Wednesday. Parecia estar a apreciar o seu desconforto. – Shadow, diz olá à Easter.
Shadow disse algo que poderia ter sido Olá, e a mulher sorriu-lhe outra vez. Ele sentiu-se como se tivesse sido encandeado por faróis – o tipo de faróis que caçadores ilegais usam para paralisar veados antes de os abaterem. Ele conseguia cheirar o seu perfume do sítio onde estava, uma mistura intoxicante de jasmim e madressilva, de leite doce e pele feminina.
- Então, como estão as coisas? – perguntou Wednesday.
A mulher – Easter – deu uma gargalhada profunda e gutural, pesada e alegre. Como seria possível não gostar de alguém que se ria assim? – Está tudo bem – disse ele. – Então e tu, seu lobo velho?
- Estava à espera de poder contar com a tua assistência.
- Estás a perder tempo.
- Ao menos ouve-me antes de me mandares embora.
- Não vale a pena. Nem sequer tentes.
Ela olhou para Shadow.
- Por favor, senta-te e serve-te com alguma comida. Toma um prato e enche-o bem. É tudo bom. Ovos, frango assado, frango de caril, salada de frango, e aqui há lebre – bem, coelho na verdade, mas coelho frio é uma maravilha, e naquela taça há guisado de coelho, bem, e se eu te encher um prato? – e ela fê-lo, tirando um prato de plástico e enchendo-o com uma alta pilha de comida e passando-o a Shadow. Depois olhou para Wednesday. – Estás servido? – perguntou ela.
- Estou ao teu serviço, minha querida – disse Wednesday.
- Tu – disse-lhe ela – estás tão cheio de merda que é um espanto que os teus olhos não fiquem castanhos. – Ela passou-lhe um prato vazio. – Serve-te – disse ela.
O Sol da tarde por trás dela fazia arder o seu cabelo numa aura de platina. – Shadow – disse ela, mastigando uma perna de frango com gosto – É um nome querido. Porque é que te chamam Shadow?
Shadow lambeu os lábios para os humedecer. – Quando eu era miúdo. – disse ele. – Nós vivíamos, a minha mãe e eu, nós éramos, quer dizer, ela era, bem, como uma secretária, numa data de Embaixadas dos Estados Unidos, nós mudávamo-nos de cidade em cidade pela Europa do Norte. Depois ela adoeceu e teve de se reformar mais cedo e nós voltámos para a América. Eu nunca sabia o que dizer aos outros miúdos, por isso procurava adultos e seguia-os por todo o lado, sem dizer nada. Só precisava da companhia, acho eu. Não sei. Era um miúdo pequeno.
- Cresceste – disse ela.
- Sim – disse Shadow – Cresci.
Ela voltou-se de novo para Wednesday, que estava a servir-se com uma colher de uma taça que tinha o que parecia ser hibisco gelado. – Este é o rapaz que pôs toda a gente enervada?
- Ouviste?
- Eu mantenho-me alerta – disse ela. Depois ao Shadow – Fica longe deles. Há demasiadas sociedades secretas por aí, e não têm lealdade nem amor. Comerciais, independentes, governamentais, estão todas no mesmo barco. Variam das pouco competentes às muito perigosas. Ei, lobo velho, ouvi uma piada de que vais gostar no outro dia. Como é que sabemos que a CIA não esteve envolvida no assassinato do Kennedy?
- Já ouvi – disse Wednesday.
- Que pena. – Ela voltou a concentrar-se em Shadow. – Mas os agentes, aqueles que tu conheceste, esses são diferentes. Eles existem porque toda a gente sabe que eles devem existir. – ela esvaziou um copo de plástico de algo que parecia vinho branco e levantou-se. – Shadow é um bom nome – disse ela. – Apetece-me um Mochaccino. Venham.
Ela começou a afastar-se.
– Então e a comida? – perguntou Wednesday. – Não podes deixá-la aqui.
Ela sorriu-lhe, e apontou para a rapariga sentada ao lado do cão, e abriu os braços para tomar Haight e o mundo. – Que os alimente – disse ela, e caminhou, com Wednesday e Shadow a segui-la.
- Lembra-te – disse ela a Wednesday ao andar – Eu sou rica. Eu estou na maior. Porque é que haveria de te ajudar?
- Tu és uma de nós – disse ele. – És tão esquecida e tão desamada e tão deslembrada como qualquer um de nós. É bastante claro o lado em que devias estar.
Chegaram a um café, entraram, sentaram-se. Só havia uma empregada, que usava o seu anel na sobrancelha como um sinal de castidade, e uma mulher a fazer café por trás do balcão. A empregada aproximou-se deles, sorrindo automaticamente, sentou-os, tomou nota dos pedidos.
Easter pôs a sua mão magra nas costas da mão quadrada cinzenta de Wednesday.
- Estou-te a dizer – disse ela – Estou a sair-me bem. Nos dias do meu festival eles ainda ceiam ovos e coelhos, e doces e carne, para representar ressuscitação e procriação. Eles usam flores nos barretes e dão flores uns aos outros. Fazem-no em meu nome. Mais e mais todos os anos. Em meu nome, lobo velho.
AMERICAN GODS © Neil Gaiman
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Comments: 4
Fotus9 [2009-09-19 13:56:19 +0000 UTC]
Muito bem traduzido.
E, no Artist's Comments, dis "áscoa" em vez de Páscoa.
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Fosterpython In reply to Fotus9 [2009-09-19 16:59:29 +0000 UTC]
Brigados ah, ninguem quer saber disso.
A minha fala favorita, para o Odin - "estás tão cheio de merda que é incrivel que os teus olhos não fiquem castanhos." Fiquei um pouco desiludido por esse ser o unico palavrao nesta parte.
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